Ameaça de tarifa de 100% de Trump sobre filmes produzidos no exterior pode sair pela culatra e impulsionar incentivo federal ao cinema nos EUA

Ameaça de tarifa de 100% de Trump sobre filmes produzidos no exterior pode sair pela culatra e impulsionar incentivo federal ao cinema nos EUA

Por Steve Solot

A ameaça renovada do presidente Trump de impor uma tarifa de 100% sobre filmes produzidos fora dos Estados Unidos — repetindo um alerta feito inicialmente em maio — é amplamente vista como potencialmente capaz de causar danos sérios e duradouros à indústria cinematográfica norte-americana. Paradoxalmente, porém, ela pode também gerar um efeito inesperado: novo impulso para a criação de um tão aguardado incentivo federal à produção de filmes.

Até agora, as entidades representativas da indústria cinematográfica dos EUA não emitiram resposta oficial ao mais recente chamado de Trump para aplicação de tarifas, e nenhuma reação é esperada em breve, já que o governo federal permanece paralisado pelo atual “shutdown”. Ainda assim, o anúncio reacendeu o debate sobre uma lacuna histórica no cenário produtivo norte-americano: a ausência de um programa nacional de incentivos realmente eficaz.

Em todo o mundo, países como Reino Unido, Austrália, Colômbia, Arábia Saudita, Índia, Hungria e Japão adotaram estratégias nacionais robustas para atrair investimentos estrangeiros e estimular economias locais, oferecendo créditos fiscais ou reembolsos em dinheiro (cash rebate) para produtores audiovisuais internacionais. Já os Estados Unidos, em contraste, não oferecem incentivos significativos em nível federal e, por isso, são muito menos competitivos na atração de grandes produções ou coproduções internacionais. Da mesma forma, o Brasil também carece de um incentivo nacional de produção, embora os mecanismos de São Paulo e do Rio de Janeiro tenham sido bem-sucedidos em atrair e fomentar produções.

Embora alguns estados norte-americanos — notadamente Califórnia, Nova York, Geórgia e Novo México — ofereçam há anos créditos fiscais que geram bilhões de dólares em impacto econômico local e criam milhares de empregos, esses programas estaduais isolados não têm sido suficientes para evitar que produções migrem para o exterior. Recentemente, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, ampliou o programa de crédito do estado, elevando o financiamento anual de US$ 330 milhões para US$ 750 milhões, mas essa ainda é uma solução fragmentada e limitada no contexto de um mercado globalizado.

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Reconhecendo essa lacuna, o deputado federal Adam Schiff, da Califórnia, vem liderando no Congresso uma iniciativa para criar um incentivo federal competitivo em escala global, capaz de gerar empregos e manter a produção doméstica — uma alternativa à proposta de tarifas de Trump, que pode ter consequências indesejadas e prejudiciais. A iniciativa de Schiff ecoa propostas apresentadas a Trump no ano passado por seu “embaixador informal de Hollywood”, o ator Jon Voight, incluindo a expansão dos benefícios fiscais já existentes da Seção 181.

Atualmente, a Seção 181 do Código Tributário dos EUA é o que mais se aproxima de um incentivo nacional. Ela permite que produtores de filmes, séries de televisão e gravações sonoras feitos nos EUA deduzam 100% dos custos de produção no mesmo ano em que são incorridos — uma ferramenta valiosa para produtores independentes, pois possibilita gerar fluxo de caixa antecipado e reinvestir nos projetos. No entanto, a Seção 181 não oferece benefícios a produtores internacionais, já que as deduções devem ser aplicadas sobre receita tributável nos EUA. Além disso, sua validade expira no fim de 2025, motivando um grupo bipartidário de parlamentares a apresentar projeto de lei para estendê-la e fortalecê-la.

Outra fragilidade estrutural do sistema norte-americano é a ausência de tratados de coprodução internacional, instrumento amplamente utilizado por grandes países produtores para facilitar colaborações, garantir acesso a incentivos bilaterais e simplificar questões de mão de obra e financiamento transfronteiriço. O Canadá, por exemplo, possui quase 60 tratados e memorandos de entendimento; o Brasil firmou acordos formais de coprodução com mais de uma dúzia de países. Já os Estados Unidos, em contraste, não oferecem nenhum arcabouço oficial de coprodução a parceiros estrangeiros.

Quando o atual “shutdown” do governo federal terminar, espera-se uma intensificação das discussões sobre as tarifas propostas por Trump, e sobre a expansão da Seção 181. Embora a ameaça de tarifas preocupe a indústria, ela pode também servir de catalisador para uma ação há muito necessária: a criação de um incentivo federal competitivo para a produção cinematográfica, e o fortalecimento da posição dos EUA no mercado audiovisual global.

 

Steve Solot é Presidente do Latin American Training Center-LATC, Senior Advisor do Albright Stonebridge Group – ASG/DGA, Co-Líder do Comitê de Entretenimento e Turismo da Câmara Americana de Comércio do Rio de Janeiro (AmCham-Rio) e membro do Conselho Cultural da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).


Fonte: https://revistadecinema.com.br/2025/10/ameaca-de-tarifa-de-100-de-trump-sobre-filmes-produzidos-no-exterior-pode-sair-pela-culatra-e-impulsionar-incentivo-federal-ao-cinema-nos-eua/

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