Tânia Maria, a Dona Sebastiana, e Kaiony, o matador terceirizado, causam furor em sessão de “O Agente Secreto”, em Praia de Gostoso
Foto: Tânia Maria e Kaiony Venâncio © MRC
Por Maria do Rosário Caetano, de São Miguel do Gostoso (RN)
A sessão de “O Agente Secreto”, sexto longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, na décima-segunda edição da Mostra de Cinema de Gostoso, foi apoteótica. Quase mil pessoas lotaram espaço aberto, um cinema erguido nas areias quentes da Praia do Maceió, para prestigiar o thriller protagonizado por Wagner Moura.
A sessão foi apresentada por dois atores potiguares — Tânia Maria, intérprete da descolada Dona Sebastiana, em papel luminoso e divertido, e Kaiony Venâncio, a quem coube o difícil papel do matador terceirizado Vilmar, contratado para matar o protagonista do filme. No caso, o professor universitário e “refugiado” Marcelo, personagem que rendeu a Wagner Moura o prêmio de melhor ator, em Cannes, e que pode levá-lo à disputa do Oscar.
Tânia Maria, artesã de 78 anos, costureira de ofício, chegou ao cinema como figurante de “Bacurau”, que KMF dirigiu em parceria com Juliano Dornelles. Ganhou uma frase — “Que roupa é essa, menino?!” — improvisada ao ver o visual extravagante de Lunga, o “cangaceiro pop-contemporâneo” eternizado por Silvero Pereira. Com seu tipo físico miúdo e elétrico, seu humor constante e aquela frase curta e improvisada de “Bacurau”, a costureira conquistou KMF e seu assistente Leonardo Lacca.
A história de Kaiony Venâncio, potiguar como Dona Tânia, é bem diferente. Ela nasceu em Cobra, zona rural de Parelhas, pequena cidade do Seridó rio-grandense. Ele nasceu, há 46 anos, na capital, Natal, cidade de 800 mil de habitantes. Ela nunca imaginou que seria atriz. Ele, apaixonado por filmes de ação, alugados em locadoras, sonhava em interpretar papéis de homens durões. Aqueles dominados pela força, banhada em muita adrenalina.
Dona Tânia virou atriz por acaso. Kaiony da Silva Venâncio lutou o quanto pôde para realizar seu sonho. Passou por momentos de grande adversidade. Mas não desistiu.
Durante o debate dos filmes exibidos na terceira e mais concorrida das noites da Mostra de Gostoso, a Revista de CINEMA pediu a Tânia Maria que comentasse seus trabalho em três filmes — “Bacurau”, “Seu Cavalcanti”, este de Leonardo Lacca, e “O Agente Secreto”. E mais: depois do terceiro longa-metragem, que caminha para o milhão de espectadores, ela já se sente uma atriz, uma intérprete?
À Kaiony pedimos um testemunho sobre sua trajetória, já que sua interpretação de um “matador terceirizado” resultou das mais convincentes. Mesmo assim, seu rosto e personagem (durão como os que povoaram as Telas Quentes de sua infância) constituíram novidade para milhares de espectadores.
As respostas — na verdade testemunhos — de ambos arrancaram risos (e até lágrimas do ator natalense) dos presentes, majoritariamente potiguares. O orgulho dos conterrâneos da dupla de atores era visível, entusiástico.
A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), que subira duas vezes ao palco da Mostra de Cinema de Gostoso, também aproveitou para festejar os conterrâneos. Na abertura, disse à artesã e agora atriz que “O Agente Secreto”, um filme maravilhoso, só tinha um defeito: “dedicara pouco espaço” a Dona Sebastiana. “Eu fiquei tão encantada, que desejei que ela estivesse em todas as cenas”.
Dois dias depois, na noite de sábado, a governadora entregou um Troféu Cascudo especial à seridoense (como ela) Tânia Maria. A imensa plateia delirou. Ela ocupava as 700 cadeiras do Cine Praia e, também, assentos improvisados (trazidos de casa e colocados nas duas laterais do espaço delimitado). Eugênio Puppo, diretor do festival, vibrou: “gente, está parecendo show de rock”.
Os aplausos foram abundantes e eufóricos não só para Tânia Maria. Se fizeram ouvir para cada aparição de Kaiony e Alice Carvalho, intérprete de Fátima, esposa de Armando (nome verdadeiro do personagem de Wagner Moura). A jovem atriz, revelada em “Cangaço Novo”, estava ausente, mas foi festejada em todos os seus momentos mostrados na enorme tela do Cine Praia. Principalmente quando mandou, durante um jantar, o industrial italo-paulista Ghirotti (Luciano Chirolli) tomar naquele lugar!
Confiram o que disseram Tânia Maria e Kaiony Venâncio, em ensolarada e luminosa manhã na sala de debates da Pousada dos Ponteiros, quartel-general da Mostra de Cinema de Gostoso.
Tânia Maria — Eu estava tranquila em meu povoado de Cobra, em Parelhas, dedicada às minhas costuras, aos meus objetos de banheiro, quando apareceu Renata Roberta, a moça que cuidava dos figurinos do filme “Bacurau”. Ela me convidou para ser figurante. E o que faz um figurante? Quanto ele ganha?, perguntei. Ela me disse que eu ganharia 50 reais. Oba. Fui todos os dias. Até que Kleber Mendonça resolveu me dar uma fala. Me disse para improvisar alguma coisa para o Lunga. Aí eu improvisei aquele “que roupa é essa, menino!?”.
Depois, o Léo Lacca, que trabalha com o Kleber, me chamou para atuar em “Seu Cavalcanti”, um filme sobre o avô dele. Eu sou mãe solteira. Queria ter uma filha, tive e o cara foi embora. Minha filha me deu uma neta. E essa neta atua comigo no “Seu Cavalcanti”. Ela faz a minha filha e eu, a amante do Seu Cavalcanti. Ele, claro, teve essa filha fora do casamento. Durante as filmagens, as filhas do avô do Léo Lacca não queriam me aceitar como a amante do pai delas, nem minha neta se fazendo passar pela filha dele. Nos tratavam mal. Achei aquilo muito estranho. O velho já tinha morrido. Por que nos tratavam daquele jeito? Quando mostrei a certidão de nascimento da minha filha (na vida real, minha neta), a Isabel (Cavalcanti) ela rasgou o documento. Minha neta, que hoje tem 28 anos e está aqui em Gostoso comigo, reclamou: “por que nos tratam desse jeito?”
Fizemos nosso trabalho, até que, terminadas as filmagens, o Léo Lacca nos contou que aquilo não era verdadeiro. A intenção era dar verdade ao filme, à história vivida pelo Seu Cavalcanti. Tanto que hoje elas nos tratam com o maior carinho. Até mandei camiseta de “Dona Sebastiana” para a Isabel.
Quanto à personagem de “O Agente Secreto”, tenho que dizer que ela tem tudo de mim. Como Dona Sebastiana, gosto de acolher as pessoas. Mas, confesso, eu não esperava uma personagem tão boa, com tantas falas. E quem diria que eu ia trabalhar com o Wagner Moura!!! Eu falei as frases escritas pelo Kleber do meu jeito. Na cena que me refiro aos meus seis ou sete anos passados na Itália, quando me perguntam por que eu nunca falara desses anos vividos lá, eu respondo: Nunca me perguntaram!
E além dos meus três filmes já lançados, já fiz mais três. Dois longas-metragens e uma série. Fiz “Almeidinha”, de Gustavo Guedes e Júlio Castro, os dois estão aqui (aponta para a dupla). Foi rodado no Caicó. Fiz, também, “Yellow Cake”, de Thiago Melo, rodado aqui na região. E vem aí a série “Delegado”, na qual interpreto a mãe do prefeito. Os diretores são o Léo Lacca e o Marcelo (Lordello).
Kaiony Venâncio – Eu cresci assistindo a desenhos animados e filmes de ação. Muita Tela Quente e Sessão da Tarde. Não frequentava salas de cinema, vivia nas locadoras, a ponto de ser confundido com funcionário da loja, pois ficava indicando filmes aos clientes. Cresci numa igreja evangélica. E todas as igrejas — católicas, espíritas ou evangélicas — têm uma vantagem: nos dão acesso à música e ao teatro. Eu queria ser ator ou músico. Mas percebi que, mesmo compondo e cantando, eu nunca seria um astro do rock. Nem ator. Então fui trabalhar no setor privado. Mas, em 2008, num trabalho missionário no interior do RN, o teatro voltou a me atrair e mobilizar. Um dia, eu estava adoentado e um amigo me chamou para um trabalho teatral na Ribeira, um bairro de Natal. Vou ou não vou? Fui. E vi que aquela era minha paixão.
Deixei o trabalho na iniciativa privada sem saber o que viria a seguir. Fui estudar Cinema numa universidade privada. Muitos de meus colegas e professores estão aqui participando da Mostra de Gostoso. Segui fazendo trabalhos no teatro, mas vi que não sobreviveria daquele jeito. Tornei-me, então, preparador de elencos infantis e adolescentes. Sei que não há criança difícil. O que há são mães difíceis. A criança aceita suas orientações, desde que feitas de forma lúdica e amorosa. As mães é que chegam querendo que as crianças façam do jeito que elas (as mães) querem. Me envolvi, também, com a escrita de roteiros e com direção.
Continuava o estresse. Arrumei um agente, figura essencial, pois tem muitos contatos. Um dia fui convidado para um teste. Se aprovado, atuaria na novela (série) “Onde Nascem os Fortes”. Fiquei animadíssimo. Peguei o ônibus rumo a Cabaceiras, na Paraíba, base das gravações. Fui aprovado para um pequeno papel. Eu ia contracenar com a Maeve Jinkings. Mas houve algum problema e ela não chegou. Eu prontinho, caracterizado como um vendedor ambulante, esperando. Um assistente de direção me avisaria, depois, que a sequência estava cancelada. O Gabriel Leone e a Alice Wegmann estavam nas gravações. Tirei a roupa com muito custo e comecei a chorar. O motorista tentou me consolar: “ô cara, não fique assim, você é ótimo!” Como assim?, ele nunca me vira representar. Mas aquela experiência moldou meu caráter. Foi muito importante.
Um amigo meu colocou na internet que eu estava para estrear numa novela da Globo. Não tive coragem, nem ânimo, de desmentir. Fiz testes para “Cangaço Novo”, um personagem pequeno, com quatro ou cinco falas. Depois, “Maria e o Cangaço”, outro papel pequeno, um jornalista. Pensava comigo mesmo: “estou plantando, depois virá a colheita”. E aí chegou “O Agente Secreto”. Uma convocação no Instagram solicitava que enviássemos um vídeo-teste. Um dia meu agente me avisou: “Kleber quer te conhecer!” Fui falar com ele, que me mostrou uma foto do Vilmar verdadeiro. Olhei aquela foto e comentei que era muito semelhante ao meu pai.
Kleber me deu suas coordenadas sobre o personagem e pedi para gravar outro vídeo-teste. O que foi feito. Fui escolhido e reencontrei Gabriel Leone. Contracenamos juntos (também com Roney Villela), em situação em tudo oposta ao que ocorrera com “Onde Nascem os Fortes”. Malhamos juntos na Academia, pois Kleber nos queria mais fortes, mais musculosos. Tínhamos um armeiro para nos preparar no uso de armamento. Enfim, como eu disse, “Onde Nascem os Fortes” foi uma experiência que me ensinou muito. De certa forma, me levou a “O Agente Secreto”.
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