quarta-feira, novembro 20, 2024
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A cidade russa ‘reduto’ de brasileiros que está sendo atacada pela Ucrânia: ‘Sensação de perigo’

O estudante brasileiro Lucas*, de 25 anos, tem acordado às vezes no meio da madrugada com sirenes altas e mensagens no celular pedindo para ele se proteger: “Perigo de mísseis. Não chegue perto das janelas”, diz os recados.

O medo é que destroços de mísseis da Ucrânia interceptados pela Rússia possam atingir o seu quarto.

Lucas mora em Kursk, cidade da região russa de mesmo nome onde as tropas ucranianas têm avançado dia após dia há uma semana, capturando soldados inimigos. A cidade de Kursk fica a mais de 100 km região fronteiriça, mas já teve prédios atingidos por mísseis ucranianos e tem sentido os efeitos da guerra cada vez mais próxima.

Essa é incursão militar mais profunda e significativa da Ucrânia desde que a invasão em grande escala da Rússia em território ucraniano começou, em fevereiro de 2022.

A Ucrânia afirma que controla cerca de 1.000 km² da Rússia e 74 cidades e vilarejos. Já a Rússia diz que tem impedido forças ucranianas de avançar ainda mais na região e tem deslocado tropas.

O jovem de 25 anos não é o único brasileiro em Kursk. A cidade pouco conhecida de cerca de 500 mil habitantes é uma espécie de “reduto” de brasileiros na Rússia — especialmente, de estudantes de medicina.

“Um pedacinho de Brasil no país europeu”, diz em seu site a Aliança Russa, empresa responsável por levar a grande maioria dos estudantes para a cidade e “representante das principais universidades russas no Brasil desde 2005”.

Segundo informou o Ministério das Relações Exteriores, a comunidade brasileira na Rússia é “relativamente pequena”, distribuída principalmente entre as grandes metrópoles de Moscou e São Petersburgo. No último relatório do Itamaraty, com dados de 2022, eram estimados cerca de 900 brasileiros no país.

Em 2024, “em Kursk, há cerca de 30 estudantes brasileiros, a maioria matriculada na Universidade Federal de Kursk, no curso de medicina”, disse em nota o Itamaraty.

Segundo Lucas, que mantém relações com toda a comunidade brasileira local, o número é maior. “São cerca de 50 estudantes aqui. Mas, no momento, como estamos de férias, só tem 15 na cidade”, diz. No passado, esse número já foi muito maior, de acordo com o brasileiro: “Cerca de 500”.

Reportagem recente da Folha de S. Paulo sobre o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos mostrou que, só em 2024, 164 profissionais formados na Rússia se submeteram ao teste. A principal instituição, segundo estudantes, é justamente a Universidade Médica Estatal de Kursk.

A BBC News Brasil tentou contato com a Aliança Russa, responsável por levar os brasileiros ao país, para obter dados e saber se estão dando algum suporte aos estudantes, mas não obteve resposta. Estudantes dizem também não ter conseguido contato.

‘Sensação de perigo’

Enquanto conversava com Lucas nesta quarta-feira (14/8), a reportagem ouviu a sirene tocando e um recado no alto falante dentro do quarto dele, na hospedagem da universidade. O pedido, segundo o estudante, era para se afastar da janela.

“O anúncio de perigo de míssil toca numa caixinha de som para emergências o tempo todo, ouvimos barulhos de explosão, notícias de prédios residenciais sendo atingidos por destroços de mísseis, pessoas gravemente feridas. É tipo o som de Silent Hill [filme de terror em que toca uma sirene]”, diz o estudante.

“A gente que é brasileiro não tem ideia [o que é uma guerra], a gente só sabe de ouvir nas aulas de história.”

Para Lucas, apesar dos alertas e dos barulhos, a vida na cidade segue com certa normalidade. “A sirene toca, mas as pessoas seguem fazendo suas coisas. Ninguém fica desesperado.”

A internet, porém, tem apresentado instabilidade.

“A gente sabe que o exército russo é bom em interceptar os mísseis, mas o medo é que os estilhaços atinjam os prédios”, conta.

“Então causa uma preocupação porque pode ser que caia algo na nossa cabeça e não tenha para onde correr. É uma sensação de perigo físico”, descreve Lucas. O jovem diz que, em crises de ansiedade, precisa ligar aos pais no Brasil.

O brasileiro diz que escolheu ir à Rússia porque, desde criança, admirava a cultura do país — e também pelos valores mais baratos do que uma universidade particular de medicina no Brasil. Ele paga cerca de R$ 17 mil por semestre, com a hospedagem.

Lucas pretende concluir seu curso de 6 anos de medicina em Kursk, mas diz que agora a “vontade é de ir para um lugar em que eu me sinta mais seguro”.

“Não tenho dinheiro pra sair da cidade, para pagar acomodação em outra cidade e ir para o Brasil é inviável, porque além da passagem ser cara, as aulas poderão voltar no futuro próximo e eu teria que descontinuar o curso”, explica.

O estudante diz esperar um plano do Itamaraty para os brasileiros em Kursk, como a acomodação em outra cidade.

A Embaixada em Moscou teria se reunido com dois estudantes que saíram de Kursk e apresentaram as demandas dos moradores da região. Eles teriam ouvido que há uma necessidade de liberação de verba a partir de Brasília, mas que há um plano de evacuação caso necessário.

Fonte do Itamaraty disse que a instituição está atenta aos desdobramentos na região de Kursk e “pronta para agir”.

O Itamaraty também informou em nota que “desde fevereiro de 2022, com o início do conflito entre a Ucrânia e a Rússia, tem prestado regularmente apoio à comunidade brasileira residente em Kursk”. “Em diversas ocasiões, diplomatas, inclusive o próprio Embaixador, foram a Kursk para encontrar e dar apoio e orientação aos estudantes residentes naquela cidade”, complementa a nota.

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