Uma “nova ordem mundial” da tecnologia está chegando, segundo neurocientista

Em palestra promovida durante o Spotlight, evento que celebrou os 20 anos do Olhar Digital, o neurocientista, futurista e colunista do Olhar Digital News Alvaro Machado Dias apresentou uma análise profunda sobre o papel das inovações tecnológicas na reconfiguração das relações de poder globais.
Fazendo o público presente refletir, o palestrante destacou como as transformações que vivemos hoje são fruto de interseção entre avanços científicos, estratégias geopolíticas e mudanças culturais.
“Sanduíche” tecnológico: três camadas de transformação
Para explicar a complexidade do atual momento tecnológico, o Dr. Alvaro utilizou uma analogia simples: ele comparou o cenário contemporâneo a um sanduíche composto por três camadas.
“Vejo o momento em que a gente vive da seguinte maneira, um sanduíche: a camada do meio, o recheio, são as tecnologias em si – algoritmos, robôs, carros autônomos, armas autônomas e assim por diante. Essa camada é imanente, está no mundo do real, mas tem algo que emana dela”, exemplificou.
Para ele, dessa camada, surgem as ideias que formam as mentalidades e, por consequência, uma nova era, que chamou de “metamodernidade“.
Acredito que a gente está passando por uma mudança de zeitgeist [transformação do espírito do tempo, que é o ambiente cultural, moral e intelectual de uma época], uma mudança de entendimento, e essa mudança traz experiências diferentes.
Algumas não são diferentes do ponto de vista qualitativo, são diferentes do ponto de vista quantitativo – o estabelecimento de relações assíncronas em detrimento das relações síncronas, coisa que a gente faz usando aplicativos de mensagens e outras coisas mais.
Alvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e colunista do Olhar Digital News, em palestra no Spotlight
Contudo, o neurocientista enfatiza que, tanto a camada das tecnologias quanto a das mentalidades, estão fundamentadas no “mundo real”, que ele define como o palco onde se desenrolam as disputas geopolíticas.
Da unipolaridade à corrida tecnológica
- Segundo o especialista, vivemos numa era marcada pela unipolaridade, onde uma única potência domina tanto o cenário material quanto o ideológico;
- “A gente vive uma era, do ponto de vista geopolítico, que a gente pode chamar de unipolaridade. […] Evidentemente, essa potência são os Estados Unidos“, frisou;
- Ele relembrou como o domínio estadunidense se consolidou ao longo do século XX, inicialmente por meio do petróleo e, posteriormente, com os avanços tecnológicos;
- Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, o petróleo estadunidense foi crucial para financiar os aliados, abrindo caminho para acordos internacionais que estabeleceram o dólar como moeda de reserva mundial.
A palestra também percorreu marcos históricos da tecnologia, citando o matemático inglês Alan Turing, cuja contribuição foi fundamental para a criação do conceito de processador universal – base para os computadores modernos.
“Durante a Segunda Guerra, sobretudo nos anos 1942 e 1943, Alan Turing desenvolveu o conceito de processador universal, em última análise, desenvolveu o conceito de computador e as máquinas Turing completas, por assim dizer, que são máquinas teóricas, o modelo teórico que permitiu quebrar a criptografia nazista que estava naqueles sistemas conhecidos”. O feito do matemático foi recriado no filme “O Jogo da Imitação“, de 2014.
Na sequência, o futurista destacou a revolução iniciada na década de 1960, com a descoberta de William Shockley sobre as propriedades do germânio, que possibilitou a era dos semicondutores.
“Quando [ele descobre] que um material é capaz de fazer isso, [ele leva] à primeira substituição do trabalho da era da eletrônica […] Desse momento em diante, foi percebido que ali, estava, de fato, o núcleo da ‘mágica’ da tecnologia“, explicou.
Embargos, corrida pela tecnologia e monopólios
O palestrante detalhou como os embargos e as estratégias comerciais moldaram a trajetória de diversas nações na corrida tecnológica. Ele relatou que os soviéticos, por exemplo, enfrentaram barreiras que os forçaram a adquirir equipamentos estadunidenses de forma indireta para construir seu parque tecnológico.
Em paralelo, destacou o papel dos embargos no reordenamento do cenário mundial durante as décadas de 1980 e 1990, culminando na queda do Muro de Berlim, na Alemanha, e no surgimento da unipolaridade. Ainda, Alvaro Machado Dias também comparou os diferentes caminhos trilhados por países como Japão, Coreia do Sul e China.
O Japão, que não sofria embargo nenhum [dos EUA], na década de 1980, passou de comprador dos circuitos elétricos que fazem a mágica da tecnologia, para produtor dos circuitos eletrônicos que estão por trás das maravilhas da tecnologia da época.
Os japoneses estavam, nesse momento, dominando essa área. Isso levou os americanos a emitirem o US-Japan Chip Act, o que levou a um embargo, a uma redução dramática na capacidade de exportação de chips dos japoneses, que nunca se recuperaram desse fenômeno. E, assim, ao mesmo tempo, modo contínuo, a transmissão ao compartilhamento de propriedades intelectuais e investimento na Coreia do Sul.
Alvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e colunista do Olhar Digital News, em palestra no Spotlight
No caso da China contemporânea, ele ressaltou estratégia distinta: enquanto empresas, como OpenAI e Anthropic, disputam o mercado de inteligência artificial (IA) com planos pagos e algoritmos avançados, os chineses investem na disseminação de conhecimento por meio de iniciativas open source.
“O que os chineses estão tentando fazer é quebrar ou atrasar o estabelecimento do monopólio americano dentro da área da inteligência artificial pela disseminação do conhecimento que está na camada do software, enquanto eles correm atrás na camada do hardware, que é muito mais difícil e que desde o início determinou essa corrida. É por isso que eles estão investindo em open source. Não tem nenhuma outra razão”, pontuou.
Desafio da miniaturização e batalha dos chips
Para o neurocientista, o futuro da tecnologia depende, sobretudo, da capacidade de miniaturização dos componentes eletrônicos. Segundo ele, reduzir o tamanho dos processadores não só aumenta a sua eficiência, mas é indispensável para superar desafios de energia e desempenho.
“As tecnologias estão convergindo para a miniaturização extrema. [Ela] é necessária porque, quando você reduz o tamanho de um processador, você aumenta a capacidade proporcional dele. Você não pode pensar: ‘vou fazer um chip do tamanho de uma cidade’ e resolver o problema.
Alvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e colunista do Olhar Digital News, em palestra no Spotlight
“A miniaturização depende de cadeia logística altamente complexa, envolvendo componentes produzidos por uma só empresa, vários deles. Você tem mais de 100 componentes que são feitos por uma só empresa no mundo, e todas elas estão sob o embargo americano em relação aos chineses”, prosseguiu.
Ele citou, como exemplo, o chip mais avançado de IA – da Cerebras Systems – que comporta quatro trilhões de transistores, número que evidencia tanto o avanço, quanto os desafios impostos pelos fenômenos quânticos.
“Conforme você começa a empacotar esses transistores, fenômenos quânticos tomam conta. O que significa que você perde o controle sobre a capacidade de computar dentro deles“, explicou.
O especialista ainda indicou que a solução para esses desafios pode revolucionar o campo da ciência, remetendo ao mesmo espírito inovador que permitiu a Turing vencer os nazistas com nova visão sobre os fundamentos da ciência.
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