Organização internacional denuncia descaso com assassinato de jornalista

Investigação jornalística feita pela organização internacional Forbidden Stories (Histórias Proibidas) revela descaso de autoridades paraguaias na investigação sobre o assassinato do jornalista Lourenço Veras, o Leo, ocorrido em fevereiro de 2020 na fronteira do Paraguai com Mato Grosso do Sul. Publicado nesta quarta-feira (9) pelo jornal ABC Color, o mais influente do Paraguai, e pela Revista Piauí, o material expõe a ligação de integrantes do Ministério Público do país vizinho com o crime organizado, inclusive para proteger o principal suspeito de ser o mandante da execução do jornalista – o narcotraficante brasileiro Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o “Minotauro”. Capturado em Balneário Comburiú (SC) um ano antes da morte de Leo Veras, o então chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital) na linha internacional entre Paraguai e MS teria, de trás das grades, ordenado o assassinato por suspeitar que o jornalista tivesse revelado sua verdade identidade a policiais da fronteira.
Ex-militar brasileiro e cidadão com dupla nacionalidade, Lourenço Veras foi executado com 12 tiros de pistola 9 milímetros na noite de 12 de fevereiro de 2020 quando jantava com a esposa, o filho e o sogro em sua casa, em Pedro Juan Caballero. Segundo a reportagem da Forbidden Stories, o Paraguai ignorou vários pedidos de autoridades brasileiras para investigar o assassinato de Leo Veras e fez “corpo mole” sobre as suspeitas lançadas contra “Minotauro”. Entre os implicados estão os promotores de Justiça paraguaios Hugo Volpe e Armando Cantero, afastados das funções e alvos de investigação por terem supostamente recebido canetas de ouro 18 quilates e pagamentos em dólares enviados pelo narcotraficante.
“Sabe-se muito bem de onde partiu a morte do Léo, mas todo mundo fechou os olhos. Não sei se o que acontece no Paraguai acontece em outros lugares”, disse à Forbidden Stories a viúva de Leo, Cíntia González. Ela diz que há cinco anos cobra respostas sobre a morte do jornalista, mas até agora não recebeu respostas satisfatórias.
Atualmente formada em medicina, Cíntia diz que deixou o Paraguai, por medo de também ser assassinada. “A inércia na investigação sobre Veras não é, infelizmente, uma exceção. A Justiça paraguaia se tornou um buraco negro, que absorve o que lhe é jogado e não devolve nada.
O consórcio jornalístico Forbidden Stories, em parceria com o OCCRP (Projeto de Investigação Sobre Crime Organizado e Corrupção, na sigla em inglês), obteve documentos dessa investigação que mostram uma série de negligências por parte das autoridades paraguaias. Pedidos de cooperação feitos por agentes brasileiros foram ignorados e evidências, descartadas. Também há indícios de que o país vizinho dificultou a investigação das autoridades brasileiras sobre o mandante do assassinato”, afirma trecho da reportagem.
“Não estou dizendo que todos os promotores e juízes sejam corruptos, mas uma grande maioria deles é, sim”, disse à Forbidden Stories a diretora da ONG paraguaia Semillas por la Democracia (Sementes pela Democracia), Marta Ferrara. Juan Martens, professor da Universidade Nacional de Pilar e diretor executivo do Instituto de Estudos Comparados em Ciências Criminais e Sociais (Inecip), tem opinião semelhante. “Há pessoas que querem fazer bem o seu trabalho, muita gente.
“Mas os que estão a serviço do crime organizado têm mais poder”, afirmou. Para Martens, os erros na investigação sobre a morte de Leo Veras configuram “utilização deliberada do poder do Estado para garantir a impunidade”. Dossiê Minotauro – De acordo com a Forbidden Stories, após as denúncias contra os dois promotores paraguaios, a Justiça daquele país se comprometeu a investigar a atuação do narcotraficante e coibir o suborno a altos funcionários.
Em 2020, autoridades paraguaias e brasileiras formaram a ECI (Equipe Conjunta de Investigação) e abriram dossiê especial chamado “Caso Minotauro”. “Documentos obtidos pelo Forbidden Stories mostram, no entanto, que os promotores paraguaios pressionaram os brasileiros a restringir o escopo da investigação. Em uma mensagem enviada a um colega brasileiro, o procurador responsável pela Diretoria de Assuntos Internacionais do Ministério Público do Paraguai, Manuel Nicolás Doldán Breuer, sugeriu remover do acordo de cooperação ‘certas referências (…) que seriam politicamente inadequadas’.
E prosseguiu: ‘Não houve alterações radicais [no acordo], mas expressões mais genéricas que se referem a autoridades e ex-autoridades do meu país’”, diz a reportagem investigativa. A Forbidden Stories relata que, em outubro de 2020, os dois países finalmente assinaram o acordo e criaram a ECI. Entretanto, só a investigação brasileira parecia avançar.
Em agosto de 2021, Hindemburgo Chateaubriand Filho, subprocurador-geral da República do Brasil, pediu às autoridades paraguaias informações sobre o andamento do inquérito. Também perguntou se ainda havia interesse no caso, uma vez que já havia se passado quase um ano da assinatura do acordo e os brasileiros não tinham recebido nenhum sinal dos paraguaios. “As tentativas do coordenador brasileiro da ECI de obter provas e informações junto às autoridades paraguaias têm se revelado infrutíferas, mesmo após reiterações”, escreveu Chateaubriand Filho, na época, conforme os documentos obtidos pela organização internacional.
Autoridade brasileira familiarizada com o caso entrevistada pela Forbidden Stories revelou, sob condição de anonimato, que a investigação sobre Minotauro foi “difícil”, devido principalmente à paralisia no lado do Paraguai. “Todos os processos ligados ao crime organizado – no momento, muito poucos – só são formalizados depois de grande pressão”, afirmou. Segundo a Forbidden Stories, a investigação sobre Minotauro ilustra padrão da Justiça paraguaia no tocante ao crime organizado.
Dados obtidos pela reportagem mostram que, entre 2014 e 2024, apenas 12% dos pedidos de cooperação jurídica que o Brasil enviou ao Paraguai receberam algum tipo de resposta. Apenas 7% do total foram adequadamente atendidos. Procurado, o Ministério Público do Paraguai não respondeu a perguntas específicas da reportagem e afirmou não ser possível compartilhar “dados sensíveis relacionados a processos penais em andamento”.
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