Festival de Brasília apresenta thriller de assalto a banco em Londrina e curta alagoano que dialoga com o western, embalado em ritmos à moda do mestre Ennio Morricone
Por Maria do Rosário Caetano, de Brasília (DF)
A sexta noite da mostra competitiva do Festival de Brasília somou o décimo-oitavo longa-metragem de José Eduardo Belmonte, “Assalto à Brasileira”, ao curta “Ajude os Menor”, da dupla alagoana Janderson Felipe e Lucas Litrento.
O filme do produtivo Belmonte recria, com altas doses de humor, assalto realizado por “bando de zé manés” ao Banestado (Banco do Estado do Paraná). Naquele 10 de dezembro de 1987, a população da cidade de Londrina foi surpreendida por fato inesperado: três centenas de clientes e funcionários da instituição financeira foram transformados em reféns por assaltantes que exigiam, para libertá-los, 30 milhões de cruzados (moeda da época), o correspondente a 500 mil dólares. E um ônibus (com vidro fumê) para a fuga.
Por acaso, um jornalista que acabara de ser demitido do Jornal de Londrina dirigira-se à agência para resgatar o valor de sua multa rescisória. Ele seria feito refém, mas logo perceberia que os responsáveis pelo roubo não tinham muita experiência. Acabaria, por tal percepção e presença de espírito, como uma das figuras-chave do caso. Se colocaria no centro das atenções.
O espectador já pressentira, nas primeiras sequências do filme, o que viria pela frente. Afinal, os assaltantes se deslocaram até o Banestado num táxi comum e lotado. Dois outros integrantes da “quadrilha” chegariam ao banco atrasados e “de ônibus”.
Com o assalto consumado, começa uma sucessão de trapalhadas. Os jovens assaltantes, uns seis ou sete, não haviam imaginado (ou planejado), em detalhes, os desdobramentos do roubo.
A principal trapalhada da trupe consiste em destruir a rede de telefones que atende à agência. O jeito, por consequência, será aceitar o jornalista Paulo Ubiratan, que conhece o chefe da operação-resgate, como negociador.
Com a proposta aceita, o repórter, interpretado por Murilo Benício, realizará os entendimentos necessários. Se tornará o interlocutor do comandante Fonseca (Paulo Miklos). E o thriller se estruturará.
Fora da agência, uma multidão se aglomera e começa a aplaudir o negociador e os assaltantes. Estes, afinal, se apresentam como jovens revoltados com as enormes injustiças sociais brasileiras e com homérica inflação, marca da Era Sarney.
O filme viverá seu momento de puro cinema de ação em sequência de perseguição policial ao ônibus. Belmonte reafirma suas habilidades no gênero. A trama irá se alternar entre o filme de roubo e a comédia. O roteiro de L.G Bayão inspirou-se em caso real, mas, claro, conformou os múltiplos ingredientes do roubo aos códigos de narrativa vocacionada à sedução do público.
Houve pesquisa nos jornais da época. E visitas ao longa documental “Isto (Não) é Um Assalto”, de Rodrigo Grota, realizado em 2008 e disponível no YouTube. No debate da versão ficcional do filme, Belmonte citou fato intrigante. Duas semanas antes do crime, naquele final do ano de 1987, a TV Globo exibira um dos mais famosos filmes de assalto a banco do mundo — “Um Dia de Cão” (Sidney Lumet, 1975).
“Não recorremos a uma suposta influência do longa estrelado por Al Pacino nos futuros assaltantes”, ponderou o cineasta, “porque nos faltavam provas concretas”. Mas “é bem possível que alguns deles tenham assistido ao longa do Lumet na TV Globo”.
“Assalto à Brasileira” foi muito bem recebido pelo público que lotou o Cine Brasília. E houve muitas risadas a cada nova peripécia cômica. Comparado aos seis outros concorrentes do festival candango, o filme de Belmonte parece um representante do cinemão. Narrativa (quase) clássica, elenco famoso, diretor que soma filmes mais arriscados (“Subterrâneos”, “A Concepção” e “Se Nada Mais Der Certo”) a obras mais convencionais, daquelas que buscam o diálogo com o grande público.
Visto com atenção e sem preconceitos, “Assalto à Brasileira” se apresentará como uma bem sucedida tentativa de cinema popular, temperada com (alguns) ingredientes autorais. E significativas dissonâncias. A maior delas vem da trilha sonora, intrusiva, debochada e capaz de causar o tão ansiado distanciamento crítico brechtiano.
No melhor momento de tal intrusão sonora, ouvimos Roberto Silva escandindo, com precisão, os versos de “Jornal da Morte” (Miguel Gustavo, 1961): “Sangue, sangue, sangue/ Vejam só esse jornal/ É o maior hospital/ Porta-voz do bangue-bangue/ E da polícia central/ (…)/Um bicheiro assassinado/ Em decúbito dorsal/ Cada página é um grito/ Um homem caiu no mangue/ Só falta alguém espremer o jornal/ Pra sair sangue, sangue, sangue (…)”.
Outros momentos surpreenderão pelas composições selecionadas, que vão de “Comida”, dos Titãs, a “Agora Só Falta Você”, de Rita Lee, passando pela mobilizadora “Eu Quero Botar meu Bloco na Rua”, de Sergio Sampaio.
A demolidora sátira musical de Miguel Gustavo (confiram a letra inteira na internet) comenta com altas doses de ironia o papel da mídia na vida brasileira. Jornais e emissoras de rádio e TV armam um verdadeiro circo em frente ao banco. E exploram os populares, que aplaudem o “jornalista-negociador-herói” e os assaltantes como se estivessem assistindo a um espetáculo de circo.
“Assalto à Brasileira” já contém, desde o título, uma intenção crítica. Tomados por complexo de vira-latas, nós, brasileiros, não costumamos esperar um filme ‘made in Brazil’ com assaltantes e policiais à moda hollywoodiana. Nosso diálogo com o cinema de gênero (thrillers, épicos, terror) se dá, via de regra, pela paródia. E, nela, o humor se apresenta como matéria-prima.
Belmonte, porém, fez questão de dosar ação e comédia. E o fez com o devido equilíbrio. Se exagerasse na comédia, seu thriller desandaria. Fez questão, também, de contextualizar o momento histórico vivido pelo Brasil, naquela segunda metade dos anos 1980. Desenhou, sem didatismo, o quadro político-econômico dos anos Sarney, quando a inflação chegou a 391% ao ano.
“Tenho trabalhado muito, pois — após meu quarto longa (“Se Nada Mais Der Certo”, 2008) — quis abrir novos caminhos. Quando o realizei, eu já me aproximava dos 40 anos, estava cansado de me autoproduzir. Queria continuar trabalhando. Muito e sempre. Mandei meu currículo para inúmeras produtoras, me propus a fazer “filmes expandidos” (de diálogo com o público, mas também autorais). Uns deram mais certo que outros e este já é meu décimo-oitavo filme (o décimo nomo estreia em breve, no Festival do Rio). Chego pois aos 55 anos trabalhando muito. E me aproximando das produtoras para fazer filmes desde que não me cheguem prontos, formatados. Aceito os convites desde que aceitem minha participação no roteiro e na tomada de outras decisões”.
LG Bayão, por exemplo, acatou sugestões do diretor e juntos aceitaram contribuições dos atores. O roteiro, então, resultou de muitas conversas e discussões. E de improvisações.
O produtor Marcelo Braga, da Santa Rita Filmes, que se associou a Clara Ramos, da produtora e distribuidora Galeria, contou que ambos se espantaram quando Belmonte avisou que não trabalhava com “preparadores de elenco”. Mas, “como assim?”, preocupou-se Clara. “E o elenco jovem?”
Belmonte detalhou seu método: “dirijo os atores com muitos ensaios. Eles e eu. E respeito atores — como Murilo Benício (e décadas atrás, Rogério Froes, no meu curta ‘Tepê’) — que não gostam de ensaiar. Não por preguiça, mas por entenderem que ensaios tiram o frescor de suas interpretações”.
Christian Malheiros, o chefe Moreno; Robson Nunes, o Barba; Matheus Macena, Ariclenes Barroso entre outros intérpretes do núcleo de “assaltantes”, integram o time dos que gostam de ensaiar. E o fizeram com imenso entusiasmo.
Malheiros, de 25 anos, contou que, ao saber que Murilo Benício não gostava de ensaiar, entrou em pânico. Afinal, seu personagem contracenaria com ele ao longo de todo o filme. Mas tudo deu certo. Os “assaltantes atrapalhados” criaram tal fraternidade entre eles que as filmagens foram das mais prazeirosas. Os três, presentes ao festival, divertiram não apenas o público, mas também os participantes do debate (no Hotel Ramada).
Robson Nunes, de 43 anos, com 30 filmes no currículo (o primeiro deles, “Boleiros”, de Ugo Giorgetti), a todos divertiu. Predisposto a brincadeiras, ele lembrou que seu personagem, o Barba, levava a sério o assalto. Por isso, ele não podia brincar. E, com fairPlay, divertiu-se ao responder se “era conservado em formol”, pois mesmo quarentão, parecia, na telona do Cine Brasília, um jovem e vigoroso estreante.
O elenco é um dos pontos altos do filme. Além dos jovens que incorporam os assaltantes, há interpretações seguras de Murilo Benício e Paulo Miklos (dessa vez, o bandido Anísio de “O Invasor” passou para o lado da Lei). Eles são coadjuvados por Yohana Eshima, bancária de origem nipônica, Debora Duboc, a chefona do Jornal de Londrina, Augusto Madeira, o titular da Secretaria de Segurança, e Hugo Possolo, o gerente do banco assaltado. Este ator, vindo do grupo Parlapatões, domina o humor como poucos. E foi convocado para treinar os figurantes. Nesse caso, Belmonte aceitou a presença de um “coach”.
“Como muitos presentes na multidão aglomerada em torno do banco tinham falas, e nenhuma experiência como atores, era necessário que eles fizessem bem o que lhes cabia; senão, colocaríamos tudo a perder. O trabalho de Possolo foi essencial”.
Os produtores do filme contaram que “a cidade de Londrina, que não se esquece do assalto do Banestado, foi muito colaborativa nas filmagens”. Metade das sequências de “Assalto à Brasileira” foram feitas na grande cidade paranaense. A outra metade (o interior do banco, o hospital etc.) foi feita em estúdios paulistanos.
O filme fará sua pré-estreia em Londrina semana que vem (dia 26) e depois seguirá para a Mostra CineBH e outros festivais. Sua estreia deve acontecer em dezembro ou no primeiro semestre de 2026. Ajudado pelo bom momento vivido pelo cinema brasileiro e por sua estrutura, escorada em consistente soma de filme de ação e comédia, o filme poderá chegar ao milhão de espectadores.
Com o curta “Ajude os Menor”, os alagoanos Janderson Felipe e Lucas Litrento dão sequência ao divertido “Samuel Foi Trabalhar”, que teve bom desempenho em festivais do ano passado. Mais uma vez, a dupla trabalha com jovens periféricos, que vivem no “corre”, em busca da subsistência. Dessa vez, eles situam sua trama, impregnada com os signos do western, num prédio em construção.
Jovens pedreiros almoçam suas quentinhas, trazidas por um motoqueiro. Conversam sobre temas diversos, alguns deles referentes ao trabalho, estudo ou atividades menos nobres. Ao mesmo tempo, a alguns metros de distância, na mesma laje, um engenheiro humilha um mestre-de-obras.
O filme baseia-se em conto escrito por Litrento e conta com poderosa trilha sonora de Paulo Gama, que assina também a mixagem. O compositor mergulhou (impregnou-se) no universo sonoro daquele que considera “o maior trilheiro da história do cinema”, o italiano Ennio Morricone (1928-2020).
O mestre peninsular brilhou nos westerns spaghetti, em épicos, dramas autorais ou thrillers. Gama quis tanto dialogar com as sonoridades de Morricone, que até utilizou raro instrumento percussivo, de origem asiática, o chamado, à moda brasileira, de “berimbau de boca”. Tal (e tão exótico e aliciante) instrumento já ganhou, até, documentário para contar sua rica história, apresentado aos brasileiros no Festival In-Edit.
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