Verónica Perrota, atriz e diretora uruguaia, mostra “Quemadura China” e protagonistas siameses ao público da competição latino-americana da CineBH

Verónica Perrota, atriz e diretora uruguaia, mostra “Quemadura China” e protagonistas siameses ao público da competição latino-americana da CineBH

Foto: Verónica Perrota © Leo Fontes/Universo Produção

Por Maria do Rosário Caetano, de Belo Horizonte (MG)

A principal mostra competitiva da CineBH (Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte) escolheu o longa uruguaio “Quemadura China” (Queimadura Chinesa), de Verónica Perrota, como seu filme inaugural. Fez muito bem, pois o filme reúne três astros do cinema platino. A própria Verónica e dois colegas bem conhecidos dos cinéfilos — pelo menos daqueles que se interessam pelo cinema latino-americano — César Troncoso e Néstor Guzzini.

Os três foram premiados pelo Festival de Gramado, por suas atuações como protagonistas de filmes uruguaios. Isto quando a Serra Gaúcha também exibia e premiava filmes vindos da América Hispânica. Na estante de Verónica há um Kikito de melhor atriz por “Os Golfinhos Vão para o Leste”. Na de Cesar Troncoso, um Kikito por “O Banheiro do Papa” somado a um transparente Kikito de Cristal, por sua larga e bem-sucedida trajetória. Na de Guzzini, o troféu chegou por seu desempenho em “Mi Mundial”, produção boleira sobre o sonho de um menino em transformar-se em astro de futebol.

O Brasil passou a fazer parte do universo audiovisual da trinca. Verónica foi uma das protagonistas do primeiro longa da gaúcha Cristiane Oliveira, o delicado e lacunar “A Mulher do Pai”. Troncoso, além do cativante “O Banheiro do Papa” (Charlone e Fernández), atuou em “Hoje” (Tata Amaral), “Oeste do Fim do Mundo” (Paulo Nascimento), “Faroeste Caboclo” (René Sampaio), “Benzinho” (Gustavo Pizzi) etc. etc. Foi parar até em telenovelas globais, como “Flor do Caribe”. E atualmente desfruta o sucesso internacional da série “O Eternauta”, produção da Netflix, protagonizada por Ricardo Darín. O personagem de Troncoso tem grande visibilidade na trama.

Por que dar ênfase e detalhar os prêmios gramadenses atribuídos aos três atores platinos?

Porque eles (os referidos prêmios) fazem parte da narrativa de “Queimadura Chinesa”, filme que nasceu de peça teatral de Verónica Perrota, de 49 anos. Ela, além de atriz e diretora (codirigiu “Os Golfinhos Vão para o Leste”, lançado no Brasil) é, também, dramaturga e professora de interpretação em universidade uruguaia.

Em 2006, a atriz levou “Quemadura China” aos palcos de Montevideo e excursionou pela vizinha Argentina. Sonhou, junto com seus atores, transformar a peça em filme. Mas o projeto teve que esperar. Um pequeno financiamento de 10 mil dólares chegaria (antes tarde do que nunca) para somar-se a parceria com a Okna, produtora da gaúcha Aletéia Selonk. E o filme saiu do papel (e, em certa medida, do palco) permitindo a passagem da peça para o cinema.

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Sessão de “Quemadura China” © Leo Fontes/Universo Produção

“Quemadura China” ganhou uma camada metalinguística. Três atores premiados em Gramado (Verónica, Troncoso e Guzzini) discutem a transformação da peça em narrativa cinematográfica. Pequenas vaidades e a agenda lotada do mais famoso deles, Cesar Troncoso, cria alguns contratempos. Mas tudo se resolve e o filme vai se transformando em realidade.

Annie (Perrota) e Dani (Guzzini), irmãos siameses, enfrentam as dores físicas e afetivo-existenciais da separação. Willie (Troncoso), irmão mais velho (e médico, formado no exterior) faz a cirurgia. Mas não esconde seu estranho desejo (o filme, aliás, causa estranhamento a cada sequência de seus sintéticos 76 minutos). O cirurgião deseja vivenciar a experiência dos siameses e pede para ser costurado a um deles.

A trama rarefeita se desenvolve em um clube muito esquisito, em torno de imensa piscina. O lugar exala certa decadência. E pode desmoronar. Ao longo do filme, as obsessões dos personagens vão alimentar narrativa que dialoga com o fantástico.

Verónica Perrota, que atuou em “Whisky” (Stoll-Rebella, 2004), um dos grandes sucessos do cinema uruguaio, realiza seu segundo longa-metragem (como diretora) dentro do que ficou conhecido como “minimalismo melancólico”.

A peça original, concebida 19 anos atrás, contava com apenas dois atores: os gêmeos siameses. O roteiro do filme ganhou novos personagens e novas dinâmicas. E uma intenção: mostrar que a dor dos irmãos,  separados pelo bisturi do Dr. Willie, tem similaridade com o universo dos atores. Estes também sofrem ao separar-se daqueles com quem dividem processos de criação artística.

A cenografia e os figurinos — cleans e algo retrô — são de grande beleza. O elenco (inclusive com a participação de dois atores argentinos) entrega-se por inteiro ao projeto. Imagens da montagem teatral são evocadas pelo filme. Embora captadas quase duas décadas atrás, em mini-DV, foram ampliadas sem granulação e estão perfeitamente integradas às imagens do diretor de fotografia, Nico Soto Díaz. Não destoam da plasticidade visual da obra.

O filme foi recebido pelo público da CineBH com interesse, mas os aplausos foram contidos. Decerto pela estranheza de sua temática, por seu tom (ainda) teatral e por seu humor frio. Quem gosta de filmes fora do esquadro (e o público que frequenta o festival mineiro gosta!) poderia ter encontrado em “Quemadura China” e em sua estranha mistura de drama e comédia, um estímulo para suas reflexões. Mas não houve rompantes de entusiasmo.

O filme anterior de Verónica Perrota (“Las Toninas Van al Este”, o dos golfinhos) era mais afetivo e envolvente. Já “Quemadura China” resulta por demais cerebral e apegado ao jogo metalinguístico.

O minimalismo melancólico, tão marcante no cinema uruguaio, continua tendo em “Whisky”, passados 21 anos, seu melhor exemplar. Ninguém resiste aos seus personagens “deslocados”, ao seu ritmo estranho, mas muito envolvente, à sua melancolia platina.

No debate, Verónica negou qualquer intenção de dialogar com o filme de Stoll e Rebella. Afirmou não ter nenhum pudor em admitir diálogo com este ou aquele realizador (ou filme).

“Ao assistir a  ‘Quemadura China’, muitos enxergam nele diálogo com ‘Gêmeos, Mórbida Semelhança”, de David Cronemberg”. Cada um estabelece as relações que desejar”.

“Queimadura Chinesa” foi lançado há cinco semanas, no circuito exibidor uruguaio. “Está alcançando boa repercussão”, conta a atriz-diretora. Decerto pelo prestígio e talento de seus protagonistas. A escola de atores uruguaia é das mais respeitadas do mundo ibérico. Quem assistiu ao monólogo de Othon Bastos (“Eu Não me Entrego Não”), este que segue em cartaz mobilizando grandes plateias, ouviu do ator história de grupo teatral, o mais famoso de Montevideo, levantando a plateia espanhola com poderosa encenação de García Lorca. Atores uruguaios arrancaram, com seu talento e, claro, a força do texto lorquiano, lágrimas dos espanhóis. Em solo espanhol.

FLASHES BELO-HORIZONTINOS

. MONTAGEM DE VITRINE DIGITAL — O cinema uruguaio (e até o argentino!) anda sumido das telas brasileiras. Em breve, porém, quem costuma ver filmes no YouTube, poderá assistir a clássicos contemporâneos (um oxímoro?) vindos do pequeno país vizinho. Enquanto o INCAA (Instituto Nacional de Cinema e Audiovisual da Argentina), sob a égide de Javier Milei, desmonta o streaming responsável pela difusão da produção local, a Agência de Cinema do Uruguai escolhe (e remunera) as produções mais representativas do país para agrupá-las no espaço digital.

. HUAQUERO – O segundo concorrente da competição belo-horizontina veio de dobradinha entre o Equador e Peru. Quem assistiu ao filme italiano “La Chimera”, de Alice Rorhwacher, encontrará um ponto em comum entre as duas obras — o roubo de tesouros arqueológicos. Arte etrusca na Península, arte inca, nos dois países de origem do novo filme. “Huaqueros” são homens que cavam o solo em busca de tesouros históricos, para tentar vendê-los no mercado negro. De formato híbrido, o filme dirigido por Juan Carlos Donoso Gómez soma documentário e ficção. E deriva também para o mundo da falsificação de peças semelhantes às encontradas em túmulos arqueológicos. Exímios artesãos fabricam peças em argila, que são submetidas a engenhosos processos de “envelhecimento”. Dois atores profissionais foram convocados a atuar no doc-fic e a interagirem com “huaqueros” e artífices de artesanias buscadas por neófitos. E, para preservar a identidade dos “caçadores de tesouros”, eles são identificados, nos créditos finais, com enigmáticas abreviações de seus nomes.

. O DOMINICANO CARLO DE LOS SANTOS — O cineasta dominicano Nelson Carlo de los Santos Arias, de 39 anos, ficou famoso no circuito dos festivais latino-americanos depois de conquistar o Urso de Prata, em Berlim 2024, como “melhor diretor”. Graças ao delirante “Pepe”, longa-metragem sobre hipopótamo que teria sido propriedade do narcotraficante Pablo Escobar. Após a morte desse estranho animal, ele teria reencarnado em fantasma ambulante, disposto a narrar sua jornada pela América do Sul. A obra, de tema mobilizador — colonialismo e seus deslocamentos permitidos pela tradição oral — participou de festivais no Brasil e causou animados debates. Agora, seu jovem e inquieto diretor ocupa o centro da mostra Diálogos Históricos na CineBH. Nelson Carlo está em Belo Horizonte para mostrar todos os seus filmes e debatê-los com o público. O que ele vem fazendo com muito entusiasmo. Além de “Pepe”, o cineasta, formado em cinema por escola californiana, mostra “Pareces una Carreta de Esas que no la Paran ni los Bueyes” (Você Parece uma Dessas Carretas que nem Bois Detêm), “Cocote”, “Canciones de Cuba” (uma falsa autobiografia), e “Santa Teresa y Otras Histórias”, adaptação radical da novela póstuma (“2666”) do chileno-mexicano Roberto Bolaño.

. UM DOMINICANO SEM LIMITES GEOGRÁFICOS – Nelson Carlo não impõe limites territoriais às suas inquietações narrativas. Com sua livre incursão no universo de Bolaño (1953-2003), ele se propõe a realizar “um retrato barroco e ficcionalizado da notória cidade fronteiriça de Juarez, mexicana, mas situada nas bordas dos EUA”. E o faz como se gerasse um “palimpsesto narrativo”, impregnado “com toques de cinema negro”. E com a intenção de ampliar “a linha entre a documentação factual, a observação lírica e a imaginação fictícia”. Na “Carreta” desembestada, ele mostra Dona Gladys e sua filha, que vivem em região periférica de Nova York, entre quatro paredes, comunicando-se em espanhol com acento caribenho. E ouvindo música, entre elas, uma cantada por Maria Bethânia e outra por Caetano Veloso (nesse caso, “Tonada de Luna Llena”, de Simón Díaz, do disco “Fina Estampa”, no qual o cantor baiano prestou seu aliciante tributo à música hispano-americana).


Fonte: https://revistadecinema.com.br/2025/09/veronica-perrota-atriz-e-diretora-uruguaia-mostra-quemadura-china-e-protagonistas-siameses-ao-publico-da-competicao-latino-americana-da-cinebh/

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