Mostra de São Miguel do Gostoso promove, nas areias quentes da Praia do Maceió, competição pelo Troféu Cascudo e sessão de “O Agente Secreto”

Foto: “A Natureza das Coisas Invisíveis”, de Rafaela Camelo © Flavio Oliveira

Por Maria do Rosário Caetano

A décima-segunda edição da Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso, ambientada no aprazível balneário potiguar, apresentará, em sua noite inaugural, em 20 de novembro, sessão de “A Natureza das Coisas Invisíveis”, longa-metragem de estreia da brasiliense Rafaela Camelo.

O filme, que iniciou sua trajetória na mostra Generation, no Festival de Berlim, vem somando prêmios em diversos festivais brasileiros e internacionais. Por isso, foi escolhido como abre-alas da competição pelo Troféu Câmara Cascudo.

O longa candango será precedido pela exibição do curta “Dias dos Pais”, do amazonense Bernardo Ale Abinader. E por discursos informais, inclusive da governadora Fátima Bezerra (PT-RN), fã assídua (e incondicional) da mostra e da cidade de São Miguel do Gostoso.

Até segunda-feira, 24 de novembro, quando serão entregues os troféus “Cascudo” (homenagem à menor do folclorista potiguar Luiz da Câmara Cascudo), serão exibidos dezenas de filmes, a maioria sobre a areia morna da Praia do Maceió e sob céu estrelado. Afinal, situa-se, ao ar livre, o imenso telão do cinema gostosense, montado (e depois desmontado) especialmente para servir de vitrine ao festival criado doze anos atrás.

Como o município não conta com sala de exibição, seus dez mil habitantes terão oportunidade única de assistir ao filme “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho, que vem causando frisson e polêmica país a fora. E aguarda indicações (sim, no plural!) ao Oscar da Academia de Hollywood.

No longa-metragem de alma recifense, destacam-se duas atrizes potiguares, portanto prata-da-casa — a artesã Tânia Maria, intérprete da hilária Dona Sebastiana, e a jovem Alice Carvalho, que incorpora Fátima, a pranteada esposa de Armando, o protagonista interpretado por Wagner Moura.

Tânia Maria, de 78 anos, destacou-se como figurante de “Bacurau”, atuou em “Seu Cavalcanti”, de Leonardo Lacca, assistente de direção de “O Agente Secreto”, e tornou-se conhecida com o sucesso nacional e internacional do sexto longa-metragem de KMF. Sua personagem, nunca é demais lembrar, arranca risadas em suas poucas, mas significativas, entradas em cena. Ela comanda inusitada pensão que serve de “refúgio” a perseguidos políticos e a um casal de angolanos, interpretados por Isabel Zuaa e Licínio Januário.

Um detalhe deve ser lembrado: a Mostra de Gostoso conta com duas telas – o Cine Praia e o Cine Petrobras, ambos de caráter temporário. No primeiro, com capacidade para 700 pessoas, os espectadores sentam-se em confortáveis cadeiras-espreguiçadeiras. E há generosos espaços, nas laterais, usados pelos mais descontraídos, que podem assistir aos filmes sentados (ou deitados) na areia. No telão externo, são programados filmes recomendados para toda família. Já as sessões para maiores de 16 ou 18 anos são apresentadas no Cine Petrobras, sala fechada e climatizada, com 100 lugares.

Por obedecer às recomendações (por faixa etária) do Ministério da Justiça, o comando da Mostra de Gostoso programou a sessão de “O Agente Secreto” (16 anos) para horário especial (22h30). Portanto, depois da sessão competitiva de curtas e longa-metragem (sempre às 20h) e da retirada dos menores do local.

Todos os filmes programados para o primeiro horário da noite são recomendados a todas as idades. “Cais”, da baiana Safira Moreira, vencedor do Olhar de Cinema, e “Aqui Não Entra Luz”, da carioca Karol Maia, selecionado para o prestigiado IDFA (Festival de Documentários de Amsterdã), são, ambos, censura livre. “A Natureza das Coisas Invisíveis” e “Buenosaires”, de Tuca Siqueira (para 12 anos). O quinto concorrente, “Morte e Vida Madalena”, do cearense Guto Parente, é recomendado a maiores de 14 anos.

O filme de encerramento será o documentário “Dona Onete – Meu Coração neste Pedacinho Aqui”, de Mini Kerti (também livre a todos os espectadores). O filme mostra a octogenária guardiã de saberes amazônicos, Dona Onete, que canta os banzeiros, os botos e os sabores da floresta, temperando sua voz com humor e sabedoria. Em 14 anos de cantoria (Dona Onete revelou-se nesse ofício aos 72 anos), ela tornou-se uma das estrelas da arte amazônica.

O festival gostosense promoverá oficinas, seminários e debates dos filmes da mostra competitiva. Na tarde de sábado, na Galeria Sol da Meia Noite, será lançado o livro “Por Trás daquele Olhar – Histórias e Descobertas de Emanuel Neri”, de Cristina Ramalho.

Neri, jornalista, artista plástico, produtor cultural, dono de galeria (Sol da Meia-Noite) e de pousada (dos Ponteiros), além de patrono da Mostra de Cinema de Gostoso, nasceu no município, no seio de família numerosa (ele e mais 14 irmãos). O jornalista, que trabalhou no Estadão, na Folha de S. Paulo e na Veja, dedicou à sua terra natal dois livros – “Cabeças do Vento” (com prefácio de Xico Sá) e “Latitude Cinco”.

O cearense-pernambucano Xico Sá, autor de “Big Jato”, filmado por Claudio Assis, definiu o primeiro livro de Neri como “uma fábula da memória afetiva”, e o pequeno balneário potiguar como “a Macondo real de ‘Seu Nilo’ e ‘Dona Isabel’”, pais de Neri e seus 14 irmãos.

Agora chegou a vez do jornalista gostosense ganhar perfil escrito por Cristina Ramalho. Material para narrar história tão singular, ela teve de sobra. Os turistas que visitarem São Miguel do Gostoso encontrarão, por mais um ano, Emanuel Neri em todas as sessões do Cine Praia, já que ele integra o time dos mais dedicados espectadores da mostra de cinema criada pelo produtor e cineasta Eugenio Puppo. Uma aventura cinematográfica que, em seu início, parecia um sonho impossível. Mas que, a cada novo ano, vem conquistando mais espectadores e fomentando o trabalho do coletivo Nós do Audiovisual.

Em 12 anos, o comando do festival convocou dezenas de profissionais de cinema para formar 153 oficineiros, todos de São Miguel do Gostoso e região. Os aprendizes tornaram-se responsáveis pela realização de 35 curtas-metragens e, agora, finalizam o primeiro longa-metragem do coletivo.

Os jovens gostosenses escolheram tema muito especial para marcar suas estreias no formato de longa duração: a trajetória de Theodorico Bezerra (1903-1994), major potiguar, que ganhou fama como “coronel” dos sertões nordestinos e foi imortalizado pelo mestre Eduardo Coutinho, no média-metragem “Theodorico – O Imperador do Sertão” (Globo Repórter, 1978). Latifundiário, quase um senhor feudal, o velho “coronel” mostrou, com sua expansividade sedutora, ao documentarista do “Jogo de Cena”, seu poder de mando sobre todos que o cercavam.

O filme “A Natureza das Coisas Invisíveis” terá, na mostra de Gostoso, o privilégio de ser o único título a contar com duas sessões. Além da noite inaugural, o longa-metragem será reprisado em Sessão de Acessibilidade, na Sala Petrobras. Ou seja, com recursos para atender a plateias especiais.

O filme fechará, em São Miguel do Gostoso, sua trajetória festivaleira. Que tem sido intensa, desde a estreia na Berlinale germânica. O longa passou pelo Festival de Guadalajara, no México, por Gramado, foi o convidado da noite de encerramento do Festival de Brasília, recebeu dois prêmios na Mostra Internacional de São Paulo (único brasileiro com duas láureas – Prêmio da Crítica e Prêmio Prisma). Registre-se que, embora elabore temática queer, a realizadora Rafaela Camelo opta pela sutileza. Aposta na sensibilidade e no poder da imaginação dos espectadores. Deseja que estes tenham espaço para realizar suas próprias descobertas.

“A Natureza das Coisas Invisíveis”, que chega aos circuito de arte no dia 27 de novembro, tem como protagonistas duas crianças. A inquieta Glória (Laura Brandão) passa seus dias num hospital onde sua mãe (Larissa Mauro) trabalha como enfermeira. A menina convive com os doentes e descobre lugares onde estão esquecidos pertences dos que morreram. E, às vezes, se entedia. Tudo muda de figura, quando ela conhece Sofia (Serena), menina de sua idade, que chega ao hospital com sua Bisa (Aline Marta Maia, melhor coadjuvante em Gramado). A velha senhora corre risco de vida. Enquanto aguarda a chegada de sua mãe, Simone (Camila Márdila), Sofia estabelece profunda relação de amizade com Glória.

As duas meninas atribuem os males da Bisa à internação hospitalar. Serão, por isso, tomadas por radiante felicidade quando a paciente for levada para bucólico e aprazível sítio, nos arredores goianos de Brasília. Lá terão saudável convivência com a Bisa, com suas mães e com rezadeiras, que entoarão seus cânticos para curar males e prantear a morte.

Em Gramado, Rafaela citou uma de suas fontes de diálogo: o complexo e fascinante “As Coisas Simples da Vida” (“Yi Yi”, de Edward Yang, Taiwan, 2000). Como o taiwanês, a cineasta constrói seu filme com delicadeza e mistério. Embora pareça ter construído um filme realista, a jovem diretora — que elaborou seu roteiro em diálogo com Juliana Rojas (“Cidade; Campo”) — recorre, muitas vezes, a símbolos que dialogam com o cinema fantástico.

MOSTRA COMPETITIVA (longas):

. “A Natureza das Coisas Invisíveis”, de Rafaela Camelo (DF)
. “Buenosaires”, de Tuca Siqueira (PE)
. “Cais”, de Safira Moreira (BA)
. “Aqui Não Entra Luz”, de Karol Maia (RJ)
. “Morte e Vida Madalena”, de Guto Parente (CE)

MOSTRA PANORAMA (longas):

. “Uma Baleia Pode Ser Dilacerada como uma Escola de Samba”, de Marina Meliande e Felipe M. Bragança (RJ)
. “As Travessias de Letieres Leite”, de Iris Oliveira e e Day Sena (BA)
. “Futuro Futuro”, de Davi Pretto (RS)
. “A Mulher sem Chão”, de Auritha Tabajara e Débora MacDowell (PA)

MOSTRA DE CURTAS (Brasil)

. “Dia dos Pais”, de Bernardo Ale Abinader (AM)
. “Presépio”, de Felipe Bibian (RJ)
. “Queimando por Dentro”, de Enock Carvalho e Matheus Farias (PE)
. “Laudelina e a Felicidade Guerreira”, de Milena Manfredini
. “Kaira e o Temporal”, de Wagner Nogueira Mendes (CE)
. “A Nave que Nunca Pousa”, de Ellen Morais
. “Seu Corpo É Belo”, de Yuri Costa (RJ)
. “A Vaqueira, a Dançarina e o Porco”, e Stella Carneiro e Ary Zara (CE)
. “Marcia Antonelli: Das Palavras à Sobrevivência”, de Mariellen Kuma (AM)
. “Quem se Move”, de Stephanie Ricci (SP)
. “Boiuna”, de Adriana de Faria   (PA)
. “Fuá, o Sonho”, de Viviane Kaigangue e Jag Fez Farias (RS)

MOSTRA POTIGUAR (Curtas do Rio Grande do Norte)

. “Pupá”, de Osani
. “A Maré”, de Jair Libânio
. “Medo de Cachorro”, de Ítalo Tapajós
. “Carnavaleska”, de Hannah Carneiro
. “Inquietas”, de Thainá Morais
. “Recife Tem um Coração”, de Rodrigo Sena
. “Passagem Única”, de Raquel de Queiroz
. “O Nó do Diabo”
. “Entre o Céu e o Mar”
. “Ressonância”, de Anna Zêpa
. “As Dançarinas de São Gonçalo”, de Jorge Andrade
. “Trajeto de Desmoronamento”, de Helena Antunes

SESSÃO ESPECIAL:

. “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça Filho (PE)

SESSÃO CLÁSSICO RESTAURADO:

. “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de Marcelo Gomes (PE)

MOSTRA ITAU PLAY DE CURTA-METRAGEM POTIGUAR (no streaming, de 25 de novembro a 9 de dezembro, acesso gratuito):

. “Maremoto”, de Cristina Lima e Juliana Bezerra
. “Fim de Jogo”, de Clara Leal
. “Pupá”, de Osani
. “A Maré”, de Jair Libânio
. “Medo de Cachorro”, de Ítalo Tapajós
. “As Dançarinas de São Gonçalo”, de Jorge Andrade
. “Carnavaleska”, de Hannah Carneiro
. “Inquietas”, de Thaina Morais
. “Trajeto de Desmoronamento”, de Helena Antunes
. “Passagem Única”, de Raquel de Queiroz

SESSÃO DE ENCERRAMENTO:

. “Dona Onete – Meu Coração neste Pedacinho Aqui”, de Mini Kerti (RJ-PA)


Fonte: https://revistadecinema.com.br/2025/11/mostra-de-sao-miguel-do-gostoso-promove-nas-areias-quentes-da-praia-do-maceio-competicao-pelo-trofeu-cascudo-e-sessao-de-o-agente-secreto/

Conteúdo importado automaticamente pelo HOST Portal News

🔔 Clique no link, entre em nossa comunidade no WhatsApp do Guia Lacerda e receba notícias em tempo real!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *