Netflix exibe documentário que busca o verdadeiro autor de “Garota do Napalm”, foto mobilizadora de manifestações contrárias à Guerra do Vietnã

Por Maria do Rosário Caetano

Quem registrou a imagem da menina vietnamita Kim Phúc, de nove anos, nua e com o corpo queimado por bomba de Napalm, no povoado de Trang Bang, no trágico 8 de junho de 1972?

Foi o fotógrafo Nick Ut, da agência Associated Press, que ganharia o Prêmio Pulitzer pela imagem e se transformaria em festejada celebridade?

Ou o freelancer Nguyen Thanh Nghê, que trabalhava por uns trocados, sem contar, portanto, com retaguarda midiática tão poderosa?

O documentário “O Freelancer: o Homem por Trás da Foto” (“The Stringer”), que acaba de chegar ao streaming em lançamento da Netflix, tenta resolver esse enigma. E o faz no formato de filme investigativo, com lances de suspense.

Ao longo de 82 minutos, o diretor Bao Nguyen transforma sua câmera numa espécie de diligente detetive. Para tanto, conta com a valiosa ajuda do fotógrafo Gary Knigth, que conhece bem o ofício dos repórteres da imagem e do texto. Aqueles que ajudaram a escrever a primeira versão (o rascunho) da história de tantas guerras nas quais os EUA se envolveram.

A Associated Press mantinha, no Vietnã conflagrado, um time de fotógrafos e repórteres de causar inveja. Só no terreno da fotografia, a Agência conquistaria quatro Prêmios Pulitzer (ao longo das décadas de 1960 e 70). O primeiro veio de registro de um monge budista se imolando em fogo. O segundo com portfolio de imagens de soldados dos EUA atuando no Vietnã. O terceiro com o assassinato a sangue frio de um vietcong (tema de potente documentário da dupla alemã-oriental Heinowski & Scheumann). E o quarto com “a Garota do Napalm”.

“O Freelancer: o Homem por Trás da Foto” é um dos 100 documentários credenciados pela Academia de Hollywood a disputar vaga na short list (15 títulos) a ser anunciada no dia 16 de dezembro. E — se passar pela primeira peneira — tentar vaga na cobiçada lista de cinco finalistas (22 de janeiro).

O filme, que fez sua estreia no Sundance Festival, em janeiro último, remexe num vespeiro. Já morreram o responsável pelo pelotão de fotógrafos da Associated Press no Vietnã, Horst Haas, seu número dois, Yuichi Ishizaki, e outras figuras de peso na hierarquia da agência. Mas estão vivos os dois fotógrafos que disputam a autoria de “Garota do Napalm”, uma das fotos mais conhecidas do mundo. A ponto de gerar palavra de ordem (“chega de queimar crianças com Napalm”) que tornou-se recorrente entre manifestantes pacifistas, que foram às ruas das grandes cidades dos EUA exigir o fim da intervenção no Vietnã.

Com alguns ingredientes de thriller e realizado com recursos fartos, “Freelancer” pôde empreender minuciosa busca pelo quase anônimo Nguyen Thanh Nghê. Afinal, Gary Knigth, o investigador-mor do filme, ouvira de Carl Robinson, responsável pela legendagem e atribuição de crédito de cada foto da Associated Press, confissão que o deixou perturbado.

O verdadeiro autor da foto seria um “stringer” vietnamita, do qual ele lembrava um dos nomes — Nghê. A mobilizadora foto da “Garota do Napalm”, portanto, não fora realizada por Nick Ut, o profissional laureado com o Prêmio Pulitzer.

Um segredo guardado durante 50 anos. Com um detalhe: Robinson teria defendido que a foto a ser escolhida fosse outra, com recorte lateral (esta sim, seria de Nick Ut). Afinal, sabia que não era comum, nas decisões editoriais da Associated Press, mostrar corpos nus de crianças. Ainda mais queimados por arma química. Mas a força de “Garota do Napalm” fez dela a escolhida do chefão Horst Haas.

Por que Carl Robinson não revelara o nome do “verdadeiro autor” da imagem daquelas quatro crianças (uma nua) atingidas pelo bombardeio? Por que esperara cinco décadas?

Robinson, casado com uma vietnamita, conta que tinha dois filhos pequenos, precisava do salário da AP para criá-los e foi deixando o tempo passar. Mudara o crédito da foto por ordem de seu editor, Horst Faas. E que se arrependia de ter guardado esse doloroso segredo por 50 anos. Fazia questão de dar seu testemunho.

Ao estruturar o filme, Bao Nguyen e seu braço direito Gary Knigth enfrentaram temas candentes: a competição desenfreada pela melhor cobertura (a busca de furos jornalísticos) e o ímpeto dos repórteres, em especial os mais jovens, motivados mais pela adrenalina que por uma cobertura crítica da Guerra.

Knight e Nguyen abordarão, também, questão da maior gravidade: a discriminação racial. Os vietnamitas eram vistos como seres inferiores. E seus nomes, tidos como esquisitos e incompreensíveis aos anglo-saxões. Motivo até de chacota.

Nguyen Thanh Nghê será localizado pela equipe do filme depois de muita busca. Mas para criar tensão — afinal trata-se de documentário que dialoga com o thriller — muitos problemas vão se interpor na trama urdida pela dupla Gary Knigth-Bao Nguyen.

O desejo de solucionar o impasse da autoria de “Garota do Napalm” é tão grande que a equipe do filme contratará empresa francesa capaz de decifrar, com recursos tecnológicos de última geração,  situações e cenários imperceptíveis a olho nu. Ou seja, realizar simulações, a partir de outras imagens (fixas e em movimento) feitas no Vietnã, em oito de junho 1972, e capazes de comprovar (ou não) se Nick Ut teria sido o verdadeiro autor da foto.

O resultado vindo da França dá a entender que Nguyen Thanh Nghê foi, ele sim, o fotógrafo que captou com uma câmara Pentax aquela imagem que correu o mundo.

A World Press Photo, que também premiou a fotografia atribuída a Nick Ut, iniciou sua própria investigação e, ao final, decidiu suspender a atribuição da imagem ao detentor do Pulitzer. A controvérsia só fez crescer nos meios do fotojornalismo.

Já a Associated Press, que encomendou sua própria investigação, garantiu não ter chegado a veredito definitivo. E não quis designar um representante para conversar com a equipe de “O Freelancer”.

Nick Ut, o detentor do Pulitzer, e Kim Phúc, a menina, hoje uma senhora já sexagenária, também não quiseram conversar com Gary Knigth. Ambos reafirmam que a foto é de Nick e que ele prestou socorro à criança queimada de Napalm, levando-a ao hospital. Mas há outra versão até para o salvamento da pequena Phúc.

Cada espectador terá, depois de assistir ao filme, elementos para chegar à conclusão que lhe parecer mais convincente.

E, por fim, um registro de contextualização histórica: o bombardeio químico que atingiu as quatro crianças — inocentes, elas brincavam próximas a um templo — foi disparado pelos militares do Vietnã do Sul, aliados dos EUA. Não foram forças do Vietnã do Norte, liderado por Ho Chi Min e apoiados pela União Soviética. Na linguagem da guerra, foi “fogo amigo”.

 

O Freelancer: o Homem por Trás da Foto | The Stringer
EUA, 2025, 82 minutos
Direção: Bao Nguyen
Testemunhos: Carl Robinson, Nguyen Thanh Nghê, Gary Knigth, entre outros
Produção: Fiona Turner e Terri Lichstein. Produção-executiva: Gary Knight, Sue Turley, Grace Lay.
Onde assistir: na Netflix


Fonte: https://revistadecinema.com.br/2025/12/netflix-exibe-documentario-que-busca-o-verdadeiro-autor-de-garota-do-napalm-foto-mobilizadora-de-manifestacoes-contrarias-a-guerra-do-vietna/

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