Novo filme de Diane Kurys revê amores e ciúmes que abalaram a vida do casal Simone e Yves Montand

Por Maria do Rosário Caetano

Só houve um casal mais famoso que Simone Signoret e Yves Montand na história cultural francesa. Aquele formado por outra Simone, a Beauvoir, e Jean-Paul Sartre.

Quem tiver interesse pela vida pessoal da atriz Signoret (1921-1985) e do cantor e ator Montand (1921-1991) encontrará em “Eu, que te Amei” (“Moi qui t’Aimais”), novo longa-metragem de Diane Kurys, uma boa razão para deslocar-se até uma sala de cinema.

Já aqueles que cultivaram (e ainda cultivam) imagem do Montand do eletrizante “O Salário do Medo” e dos politizados “Z” e “Estado de Sítio” deverão sentir falta dessa marca de sua personalidade artístico-existencial. Afinal, todas suas biografia lembram que ele, nascido Ivo Livi na pequena Monsummano Alto italiana numa “família judia antifascista”, migraria para um subúrbio pobre de Marselha, onde desempenharia profissões humildes, até tornar-se cantor (e ator) famoso. Além do mais, não podemos esquecer que Simone Signoret, nascida Simone Kaminker, na Alemanha, também numa família judia, estaria igualmente na linha de frente da militância de esquerda. O casal tornou-se uma legenda política nas décadas de 1960 e 70. Até se decepcionar com o socialismo real.

O novo filme de Diane Kurys, lionesa de 77 anos, diretora de “Entre Nós”, “Sagan” e “Por Uma Mulher”, assume o olhar de Simone Signoret. Ela é uma grande atriz, apaixonada pelo marido, chansonnier e ator, que alcançará fama planetária.

Simone, que ganharia um Oscar de melhor atriz por “Almas em Leilão” (“Room at the Top”, do britânico Jack Clayton, 1958), rivalizava em fama com o marido. Mas o tempo, implacável, passaria e os papéis iriam tornar-se escassos. Para ela, principalmente, já que o companheiro, um astro, se ocuparia em shows mundo a fora e com filmes na Europa, América Latina e EUA. Um deles, “Adorável Pecadora” (George Cukor, 1960), ao lado do torpedo hormonal Marilyn Monroe.

“Eu, que te Amei”, verso de um dos maiores sucessos de Montand, “Les Feuilles Mortes”, mostrará que todas as traições do cantor-ator feririam em profundidade os sentimentos de Simone. Mas o affair que ele teria com a deusa platinada de Hollywood, a “adorável pecadora”, parece ter sido o mais doloroso.

Em momento algum parece passar pela cabeça de Kurys questionar a família burguesa, o ciúme, o sentimento de posse. Até porque a equação pesa a favor do homem, que pode ter o número de relacionamentos que desejar, enquanto à mulher atribui-se o dever da fidelidade. O filme deixará claro que os dois se amavam. E que ela o amava mais do que tudo. Ele diria que a amava mais do que a todas as outras. Mesmo assim, assumiria outro relacionamento com uma mulher mais nova, que lhe daria um filho. Mesmo que continuasse ligado a Simone, inclusive nos momentos em que ela padeceria do câncer que a matou aos 64 anos.

As feridas vão se acumulando. Pelo que mostra o filme de Kurys, um não podia viver sem o outro. Mas a dependência de Simone era maior. A trama, recriada com liberdade pela cineasta (em parceria com Martine Moriconi e Sacha Sperling), concentra-se nos anos em que os dois artistas eram muito famosos. Antes do matrimônio com Montand, Simone foi casada com Yves Allégret, pai de sua filha Catherine. Embora a atriz dê a entender que não poderia viver sem Montand, não mergulhará no papel de vítima. Mas sofrerá demais. O filme aproxima-se, assim, do melodrama.

Quando tudo eram flores e as oportunidades de trabalho eram iguais para os dois, Simone e Yves, interpretados por Marine Foïs e pelo franco-marroquino Roschdy Zem, recebiam os amigos, a maioria bem colocada na linha de destaque do cinema francês (Nadine e Jean-Louis Trintignant, Serge Reggiani, Alain Corneau e Claude Sautet) para animadas conversas. Hoje, talvez Reggiani não diga quase nada aos cinéfilos brasileiros. Mas ele foi um dos parceiros de Signoret no festejadíssimo “Casque d’Or” (“Amores de Apache”, 1952), deliciosa realização de Jacques Becker. Que Bertrand Tavernier coloca nos cornos da lua em sua “Viagem pelo Cinema Francês” (filme e série, 2021).

Quando a situação conjugal entre a atriz e o marido ítalo-francês vivia um de seus momentos mais difíceis, Simone aceitou o convite para interpretar Madame Rosa, uma velha prostituta judia, em “A Vida à sua Frente” (1977), de Moshé Mizrahi, baseado em romance de Romain Gary. Seu desempenho renderia a ela o César (o Oscar francês) de melhor atriz. Montand não estaria na cerimônia de premiação. Diria, no filme, que não imaginara (esperara) que ela triunfasse encarnada na sofrida personagem.

A escolha da esbelta e apolínea Marine Foïs (“As Bestas”, de Rodrigo Sorogoyen, 2022) para interpretar Simone, mais que arriscada, é ousada. Não há nenhuma semelhança física entre as duas. Como a atriz escolhida é muito talentosa, ela acabará por nos convencer. Também muito pouco parecido com Montand, Roschdy Zem, ator e diretor que realizou um remake de “O Invasor”, de Beto Brant, causa grande dissonância no começo da narrativa. Depois vai nos conquistando aos pouquinhos.

O elenco de apoio não chega a incomodar. Até porque – fora o astro Jean-Louis Trintingnant (“Il Sorpasso”, “O Conformista”, “Amor”) – seus rostos não nos são muito familiares. Já a crítica e o público francês estranharam. “Difícil imaginar Roschdy Zem e Marina Foïs na pele desses ícones do cinema francês”, disseram, quase em uníssono. Nas bilheterias, o longa-metragem vendeu 198.244 ingressos, pouco para um drama sobre amores e desamores de casal tão famoso. Verdadeiros “monstros sagrados” do cinema, teatro e canção gauleses.

O filme ganharia muito se saísse do terreno das dores amorosas, do excesso de preocupação com os sumiços e traições de Montand. Mas vivemos tempos de invasão e “evasão” de privacidade. E de imenso desinteresse por temas políticos. Kurys fez um filme em sintonia com o “air du temps”. O clima de nossa época.

 

Eu, que te Amei | Moi qui t’Aimais
França, 2025, cinebiografia, 118 minutos
Direção: Diane Kurys
Elenco: Marine Foïs (Signoret), Roschdy Zem (Montand), Thierry de Peretti (Serge Reggianni), Raphaëlle Rousseau (Catherine Allégret), Thimothée de Fombelle (Jean-Louis Trintignant), Léonor Oberson (Nadine Trintignant), Sébastien Pouderoux (Alain Corneau), Nicolas Grandhomme (Claude Sautet), Uuval Rozman (Moshé Mizrahi), Marcelle (Cécile Brune), Muriel (Marine Arena), Pauline Cassan (Carole Amiel)
Estreia: 1º de janeiro em Belo Horizonte, Brasília, Curitiba,  Florianópolis, Maceió, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto e Santos (SP), São Paulo (capital) e Vitória (ES)
Distribuição: Autoral Filmes


Fonte: https://revistadecinema.com.br/2025/12/novo-filme-de-diane-kurys-reve-amores-e-ciumes-que-abalaram-a-vida-do-casal-simone-e-yves-montand/

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