Mulheres vendem calcinhas usadas para driblar a crise

Nas redes sociais, a hashtag calcinhausada chega a ter mais de mil publicações. Em cada uma delas, homens sedentos distribuem elogios e se mostram dispostos a pagar para ter a posse das peças vendidas por mulheres. Os preços vão de R$ 30 a R$ 200 e as características contam muito para agregar valor.

Com ou sem cheiro, molhada, usada por um dia ou uma semana, de renda, na cor vermelha, preta ou branca. Cada detalhe importa.

O anonimato do negócio foi um incentivo para uma moradora do Distrito Federal, de 23 anos. “Posso criar uma conta com nome fictício e não preciso me expor”, diz ela que preferiu não se identificar. A jovem descobriu a venda de calcinhas usadas por meio da prima de uma amiga, que já é experiente na área.

Desempregada, viu uma oportunidade de ganhar dinheiro em meio à crise. “Era uma forma de ter uma renda extra com algo muito fácil, que eu tenho em casa. Só pegar a calcinha, usar e vender”.

Porém, ao colocar os produtos à venda, ela percebeu que o ramo não é tão fácil quanto parece. “Você tem que selecionar o produto, fotografar, responder os clientes, fazer o envio… Tem um investimento de tempo e energia. Então, é um trabalho, sim, e é desgastante”, desabafa.

A falta de dinheiro também influenciou a jovem de 27 anos, Ramona, como é conhecida na internet. Sem trabalhar e com uma filha recém-nascida, começou a vender calcinhas usadas recentemente, por sugestão do marido. Como o negócio é recente, ainda não houve muito retorno.

“Tem que ter paciência no começo até você conhecer as pessoas e ganhar confiança”, pontua. Além das calcinhas, ela também comercializa fotos e vídeos. As imagens costumam dar mais dinheiro, mas lidar com os possíveis clientes pode ser uma dor de cabeça. “Tem muita gente que é sem noção. Confundem o trabalho, já chegam mandando nude. Não tratam com profissionalismo”, reclama.

Ainda que tenha seus problemas, ela conta que o curioso ofício, assim como o fetiche do marido em pés, a fez descobrir novas possibilidades para explorar sua sexualidade. “Trabalhar com isso me mostrou como as pessoas têm suas vontades, desejos e quão diferente é cada um. A sociedade nos reprime muito nessa questão”, reflete.

O gosto do freguês

Como em qualquer atividade, clientes são peça fundamental para o sucesso. Nesse caso, eles são exigentes e é importante saber como agradar. “A maioria gosta que deixe a calcinha com cheiro forte, com muitos dias de uso. Outros gostam do cheiro mais leve”, explica Elaine Gomes, 30, de São Paulo.

“Algumas pessoas pedem para enviar a calcinha suja com chuva dourada ou chuva marrom [termos fetichistas para urina e fezes], ou mesmo enviar com uma garrafa de urina junto. Coisas desse tipo”, completa.

Apesar do gosto do freguês ser uma parte importante, é preciso saber até onde está disposta a ir. A jovem conta que há situações em que é necessário impor seus limites: “Muitos pedem com orgasmo, porém não faço assim. Já vi mulheres que pediam para seu parceiro ejacular na calcinha e vendiam informando ser orgasmo delas.”

Ela conta que a confiança também ajuda a manter o negócio. Homens que compram e gostam do resultado tendem a voltar. Até porque, entre os anúncios, existe o perigo dos golpes. Segundo a vendedora, há muitos casos de pessoas que recebem o valor e não enviam o produto.

Elaine está no comércio de calcinhas usadas há 10 anos, mas reclama que o meio ainda é muito difícil, principalmente porque as pessoas que não entendem o fetiche. “A maioria dos homens não tem interesse na compra e só querem ver fotos do corpo da mulher. Quem não é fetichista não entende que a venda é apenas da peça, pois o interesse é no fetiche. Vender uma calcinha usada nada tem relação com fazer programa ou buscar sexo”, destaca.

Fazer por prazer

Além das plataformas de vendas, as redes sociais também são usadas para divulgação dos produtos. É por meio delas que Cris Ty, 49, conhece clientes. Em seu perfil, ela compartilha momentos de prazer com fotos seminuas e provocantes. A mulher afirma que a venda de calcinhas usadas é algo que faz parte do seu fetiche. “No meu caso, [a venda] acontece quando o seguidor pergunta se vendo”.

A moradora do Paraná conta que a descoberta de novos prazeres sexuais veio mais tarde. Estava chegando aos 45 quando conheceu o BDSM, prática sexual que envolve sadomasoquismo, bondage, dominação e fetiches relacionados. A partir daí, começou a se exibir nas redes sociais.

“Receber elogios com essa idade me fez muito bem. Ser desejada por pessoas de todas as idades, algo que nunca imaginei antes. Sou gordinha, manequim 46. Fui me aceitando cada dia mais e me soltei.”, lembra. Hoje, sua clientela é composta principalmente de seguidores e, como não costuma anunciar em outras plataformas, o comércio é esporádico. “Tem mês que vendo cinco calcinhas, no mês seguinte posso não vender nada.”

Tabu

Embora as pessoas que já estão inseridas no meio fetichista vejam essas práticas com muita naturalidade, o tema ainda é um grande tabu. “Na verdade, o sexo já um tabu. E o fetiche é uma categoria que é mais ainda. Porque se temos dificuldade de falar sobre o que é comum, como vamos falar sobre algo mais complexo?”, questiona a psicóloga e sexóloga Luísa Miranda.

Ela explica que um dos vilões que torna o assunto envolto em mistérios é a falta de conhecimento. Além disso, há também a influência da pornografia, que mostra o fetiche e o prazer como algo pontual e não um processo que demanda tempo. “As pessoas acham que fetiche envolve coisas absurdas, irracionais, nojentas que vão colocá-las em situação de desconforto.”

Para a sexóloga, o autoconhecimento vem a partir do momento em que as pessoas se desafiam a ter mais experiências. “A gente só consegue naturalizar algo quando passa por barreiras que mantém aquilo um tabu. É colocar isso de forma mais sutil e natural do dia a dia”, finaliza.

 

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